Seu celular foi clonado e o prejuízo foi alto? Tribunais estão responsabilizando as operadoras
Tribunais de todo o país começam a responsabilizar operadoras por falhas de segurança que permitem a clonagem de chips e o uso indevido de contas no WhatsApp, abrindo um novo capítulo na proteção do consumidor digital. Por Calza Neto

Nos últimos anos, o golpe da clonagem de chip de celular, o famoso SIM Swap, virou uma epidemia silenciosa.
Basta um atendente distraído ou um sistema falho na operadora, e pronto: sua linha telefônica é transferida para outro chip, o criminoso assume seu WhatsApp, acessa seus aplicativos bancários, conversa com sua família, seus clientes, e em minutos… o estrago está feito.
O problema é que, até pouco tempo atrás, as vítimas tinham que provar o impossível: que não fizeram nada errado. Agora, os tribunais brasileiros estão mudando esse jogo, e apontando o dedo para quem realmente falhou: as operadoras de telefonia.
Quando a fraude nasce dentro do sistema
Para aplicar o golpe, o criminoso não invade seu celular. Ele engana o sistema da operadora, que transfere sua linha para outro chip sem verificar se quem pede é realmente o titular. Esse processo, que deveria exigir autenticação dupla, checagem de dados e bloqueios de segurança, ainda é tratado, em muitos casos, como um simples pedido administrativo.
E é aí que mora a brecha. Com a linha clonada, o bandido ativa o WhatsApp com o seu número e tem acesso instantâneo às suas conversas, contatos e códigos de autenticação de outros aplicativos. O resto é previsível: mensagens pedindo dinheiro, transferências via PIX e prejuízos que ultrapassam qualquer indenização.
A virada: tribunais estão responsabilizando as operadoras
De norte a sul do país, os tribunais estão consolidando uma posição firme: quando a fraude só acontece porque o sistema da operadora falhou, a responsabilidade é dela, não da vítima. ]
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) vem aplicando o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor e reconhecendo que a segurança é parte essencial do serviço.
Se o sistema permite uma troca de chip sem autenticação adequada, há falha grave na prestação. E falha grave gera indenização.
No TJMG, o entendimento é o mesmo: o consumidor não tem meios técnicos para saber como o atendimento é feito dentro da operadora.
Por isso, a responsabilidade recai sobre quem tem o poder, e o dever, de proteger o processo.
Já o TJRS adota postura mais restritiva, afastando a culpa da operadora apenas quando o golpe ocorre sem clonagem da linha, por exemplo, em casos de engenharia social dentro do próprio aplicativo de mensagens.
E os precedentes se acumulam:
TJSP: processos nº 1007753-56.2020.8.26.0562, 14369337 e 1003675-90.2023.8.26.0278
TJMG: processos nº 0024.11.269.358-5 e 5142911-98.2024.8.13.0024
TJRS: processo nº 50004446420208210008
A mensagem é clara
Não é o consumidor que deve pagar o preço da negligência tecnológica. As operadoras lucram bilhões em serviços digitais, mas ainda não conseguiram blindar o elo mais sensível de toda a cadeia: a identidade do usuário.
E quando o golpe acontece, o prejuízo não é só financeiro, é psicológico, reputacional, humano.
A confiança, uma vez rompida, não se recompõe com um simples pedido de desculpas.
Os tribunais estão dizendo em alto e bom som:
● quem lucra com a conexão deve responder pela segurança.
● Quem entrega tecnologia, deve entregar também proteção.
Reflexão final
A era digital exige algo simples: respeito ao dado e responsabilidade pelo risco.
Enquanto as empresas discutem de quem é a culpa, o cidadão comum continua exposto, vulnerável e desamparado.
Mas a boa notícia é que o Judiciário começa a enxergar o que o consumidor sente há anos: a clonagem não é azar, é falha de sistema.
E falhas de sistema têm dono, CNPJ e responsabilidade.



