
Grandes empresas de tecnologia demonstram resistência em armazenar dados relacionados a abuso e exploração sexual infantil para envio às autoridades, segundo documentos obtidos pela Agência Pública. As sugestões das companhias foram apresentadas ao projeto de lei 2.628/2022, que está em pauta para votação na Câmara dos Deputados e tem o objetivo de proteger crianças e adolescentes nas redes sociais, especialmente após a repercussão do caso do influenciador Felca.
Foram analisadas 25 notas técnicas com contribuições ao projeto enviadas ao relator, deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI), assinadas por entidades do setor tecnológico, organizações civis e especialistas. Um dos principais pedidos das big techs é a exclusão total do artigo que obriga as plataformas a reterem dados sobre conteúdos de abuso sexual infantil — pedido que não foi aceito.
Entre as sugestões, destaca-se o documento do Conselho Digital, associação que representa Google, Meta, TikTok, Kwai e Discord. Em março de 2024, quando o projeto ainda tramitava no Senado, essa associação já havia pedido a retirada da obrigação de armazenamento, argumentando que guardar esses dados poderia ser considerado crime, conforme a legislação vigente.
Especialistas, no entanto, contestam essa visão. A advogada Graziela Jurça Fanti afirma que a retenção é essencial para proteger vítimas e garantir a responsabilização dos agressores. “Apagar as provas impede a justiça de agir”, ressalta.
O relator manteve o artigo que exige a guarda dos conteúdos por seis meses, com possibilidade de prorrogação conforme o Marco Civil da Internet. A equipe de Alencar reconhece o custo para as empresas, mas defende a necessidade da medida.
A votação do projeto está prevista para ocorrer entre os dias 19 e 20 de agosto, em regime de urgência.
Big techs pedem equilíbrio entre proteção infantil e interesses comerciais
As empresas defendem que a proteção das crianças deve ser equilibrada com os direitos dos usuários e os interesses comerciais das plataformas. O Conselho Digital destacou em nota técnica que o projeto não deve impor barreiras excessivas à inovação digital.
O Google, por sua vez, afirmou que a segurança de crianças e adolescentes é prioridade e que colabora de forma transparente com legisladores.
Especialistas veem avanços no PL 2.628/22, que responsabiliza as redes sociais, inclusive pelo papel de algoritmos que podem promover violência contra menores, segundo Emanuella Halfeld, do Instituto Alana.
Apesar disso, há tentativas de desinformação pela extrema direita, que associa o projeto a censura, enquanto partidos políticos influenciam nas emendas aprovadas.
Google questiona detalhes do projeto e sugere notificação por entidades especializadas
Outro documento, sem autoria formal, mas atribuído ao Google, levanta preocupações sobre a forma e a segurança do envio de dados às autoridades. A empresa sugere que notificações sejam feitas preferencialmente por entidades certificadas para evitar riscos de informações inadequadas e sobrecarga na triagem.
O advogado Fabrício da Mota Alves, da OAB, afirma que os argumentos das empresas podem ser contestados, pois a Constituição determina prioridade absoluta para a proteção de crianças e adolescentes.
Prazo para armazenamento de provas gera debate
Especialistas concordam com a necessidade de retenção, mas divergem sobre o prazo de seis meses. Alves defende que o tempo é adequado para evitar armazenamento indefinido, enquanto Graziela Jurça Fanti alerta que esse prazo pode ser insuficiente diante da morosidade judicial.
Empresas também resistem a relatórios de transparência
Além da retenção de dados, as big techs se opõem à obrigação de produzir relatórios semestrais detalhando denúncias e ações contra abusos, alegando dificuldades para identificar ilícitos sem intervenção do Judiciário.
Apesar disso, o artigo que prevê os relatórios foi mantido, embora tenha sofrido ajustes para evitar brechas para as empresas.
Proteção contra perfilamento comercial de menores é mantida, mas com mudanças
O projeto continua proibindo o uso de dados de crianças para fins comerciais, embora o relator tenha retirado o termo “dever de cuidado”, substituindo por obrigações similares de prevenção, proteção e segurança. Essa alteração veio após pressão das empresas, que consideraram o termo excessivo.
Segundo o gabinete do deputado Jadyel Alencar, a mudança não diminui a proteção prevista no projeto.



