
A União Europeia (UE) enfrenta forte pressão interna para justificar e suspender o financiamento de empresas envolvidas na produção de spyware — softwares de espionagem usados em operações de vigilância. Em uma carta enviada à Comissão Europeia, 39 membros do Parlamento Europeu (MEPs) expressaram profunda preocupação com o uso de recursos públicos para subsidiar companhias cujas tecnologias têm sido associadas repetidamente a casos de espionagem ilegal contra jornalistas, ativistas e autoridades políticas.
A mobilização ocorre após uma série de reportagens da publicação investigativa Follow the Money, que revelou como entidades estatais — incluindo um banco estatal italiano e o Fundo Europeu de Defesa (FED) — destinaram milhões de euros a empresas do setor de spyware. A investigação mostrou que tanto países-membros quanto o próprio bloco europeu financiaram grupos como a Intellexa Alliance e a Cy4Gate, cujas ferramentas foram utilizadas em operações de vigilância contra a sociedade civil.
Um dos casos destacados na carta menciona que a Cy4Gate recebeu pelo menos € 3,8 milhões (cerca de US$ 4,4 milhões) em verbas da UE entre 2020 e 2024, incluindo repasses do FED. A empresa defende-se afirmando que os recursos foram destinados exclusivamente a “pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de segurança cibernética aplicáveis aos setores civil e de defesa”.
No entanto, os parlamentares alertam que empresas como Intellexa, Cy4Gate, Verint e Cognyte estão diretamente associadas a práticas de vigilância ilegal, inclusive em países com histórico crítico de violações de direitos humanos. “Essas tecnologias foram ligadas à espionagem de jornalistas, defensores dos direitos humanos e atores políticos, tanto dentro da UE quanto em nações com regimes repressivos”, afirmam os MEPs.
A carta foi endereçada a Henna Virkkunen (vice-presidente executiva da Comissão Europeia para Soberania Tecnológica, Segurança e Democracia), Michael McGrath (comissário para Democracia, Justiça, Estado de Direito e Proteção ao Consumidor) e Piotr Serafin (comissário para Orçamento, Antifraude e Administração Pública).
Os parlamentares ressaltam que o problema é urgente. O spyware mercenário comercial, afirmam, já foi detectado em celulares de diversos representantes europeus nos últimos anos. Por isso, o próprio Parlamento Europeu passou a realizar verificações periódicas em dispositivos de seus membros para identificar possíveis invasões.
Para os legisladores, o uso de verbas públicas nesse setor cria um paradoxo preocupante. “Isso levanta sérias questões sobre governança, transparência e responsabilização dos mecanismos de financiamento da União”, afirmam os signatários.
Eles concluem a carta destacando que é “profundamente preocupante que a União Europeia esteja, direta ou indiretamente, apoiando ferramentas que corroem a democracia, os direitos fundamentais e o Estado de direito”. O grupo exige transparência imediata e uma revisão completa dos mecanismos de financiamento, para impedir que recursos do bloco continuem a alimentar indústrias que ameaçam os próprios valores sobre os quais a UE foi construída.