A inteligência artificial e a desigualdade
Entre oportunidades e riscos: como a Inteligência Artificial pode reduzir ou ampliar as desigualdades sociais e econômicas. Por Newton Moraes e Calza Neto

A Inteligência Artificial (IA), entendida como um modelo matemático de processamento de dados em larga escala, configura-se como uma das mais relevantes forças tecnológicas do século XXI. Seus impactos potenciais sobre a economia, os mercados de trabalho e as estruturas sociais têm sido objeto de intenso debate acadêmico e institucional. Entre as principais preocupações, destaca-se a questão da desigualdade: a IA poderá contribuir para a sua redução ou, ao contrário, para o seu agravamento. Esse dilema é analisado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em seus relatórios recentes sobre tecnologia, crescimento econômico e equidade distributiva (IMF, 2024).
A Inteligência Artificial como Redutora de Desigualdades
O FMI aponta que a IA possui potencial para democratizar o acesso a serviços essenciais, como saúde e educação. Ferramentas de diagnóstico médico baseadas em algoritmos de aprendizagem de máquina podem oferecer suporte a regiões com escassez de profissionais especializados, aumentando a equidade no acesso à saúde. No campo educacional, a personalização de currículos com base em dados e predição algorítmica pode favorecer estudantes em situação de vulnerabilidade, ampliando a inclusão (IMF, 2024).
Sob a perspectiva econômica, a IA pode reduzir barreiras à inovação, ao trabalho remoto e ao empreendedorismo em países em desenvolvimento. Ao permitir que pequenos negócios e indivíduos utilizem ferramentas de análise de dados e programação, antes restritas a grandes corporações, a tecnologia pode funcionar como instrumento de redução das disparidades socioeconômicas (IMF, 2024).
Além disso, relatório do FMI (2025) indica que a adoção de IA pode, em alguns casos, reduzir a desigualdade salarial ao aumentar a produtividade de trabalhadores de maior renda, mas alerta que os efeitos sobre a desigualdade de riqueza podem ser contrários, ampliando a concentração em benefício dos detentores de capital (INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2025).
A Inteligência Artificial como Agravante da Desigualdade
Por outro lado, o FMI alerta que os riscos da IA são igualmente expressivos. A concentração de recursos tecnológicos nas mãos de grandes empresas pode, pelo controle sobre os modelos algorítmicos, gerar estruturas monopolísticas e aprofundar a dependência de países em desenvolvimento em relação a corporações multinacionais. Essa dependência tecnológica tende a ampliar desigualdades globais, restringindo a autonomia de políticas nacionais (IMF, 2024).
No mercado de trabalho, o potencial de automação da IA não se limita a tarefas rotineiras, alcançando também atividades cognitivas e profissionais. Sem políticas adequadas de requalificação e proteção social, a substituição de trabalhadores pode gerar desemprego estrutural, queda de salários e colapso da classe média (IMF, 2024). Além disso, a reprodução de vieses sociais em sistemas automatizados representa um risco adicional de exclusão. Nesse sentido, o FMI recomenda que países adotem políticas fiscais redistributivas, como a taxação de lucros extraordinários e maior tributação sobre ganhos de capital, a fim de compensar os efeitos de concentração de riqueza e financiar políticas sociais de proteção ao emprego e requalificação profissional (THE GUARDIAN, 2024; MARKETWATCH, 2024).
Máquina Inteligente e Julgamento Humano
Em artigo publicado na revista Finance & Development, Agrawal, Gans e Goldfarb (2025) aprofundam a análise ao destacar a interação entre IA e julgamento humano. Segundo os autores, a IA deve ser compreendida como uma ferramenta de predição algorítimica, enquanto o julgamento humano permanece essencial para a tomada de decisões, sobretudo aquelas que envolvem valores, ética e contextos sociais.
O estudo apresenta dois cenários possíveis. O primeiro, denominado ‘Era da Prosperidade’, aponta que a IA pode reduzir custos, aumentar a produtividade e ampliar o acesso a serviços essenciais, elevando a qualidade de vida global. O segundo, ‘Era da Instabilidade’, descreve um contexto em que sistemas extremamente capazes substituem trabalhadores em larga escala, concentrando riqueza e poder e aprofundando desigualdades (AGRAWAL; GANS; GOLDFARB, 2025).
Outros estudos acadêmicos ressaltam que a IA generativa pode reduzir desigualdades em setores como educação e saúde, mas ao mesmo tempo apresenta riscos de aprofundar disparidades caso reforce desinformação, exclusão digital ou preconceitos sociais. Esse duplo efeito reforça a importância da regulação e da formulação de políticas públicas adequadas (CAPRARO et al., 2023).
Conclusão
Conclui-se que a Inteligência Artificial não é, por si só, promotora ou inibidora de desigualdades. Trata-se de um modelo matemático de processamento de dados em larga escala, cuja eficácia disruptiva decorre da capacidade de identificar padrões e realizar previsões em níveis antes inalcançáveis.
Seus efeitos dependerão da interação entre a capacidade de predição algorítmica, o julgamento humano e as escolhas institucionais. Conforme enfatizado pelo FMI (2024) e por Agrawal, Gans e Goldfarb (2025), a governança inclusiva, o investimento público e a regulação transparente serão fatores decisivos para que a IA funcione como instrumento de inclusão social, e não como catalisadora de disparidades.
Assim, as consequências, no entanto, não derivam de qualquer autonomia da tecnologia, mas sim da interação entre a capacidade preditiva dos algoritmos, o julgamento humano e as escolhas institucionais. Ao personificar a IA, atribuindo-lhe funções de aconselhamento ou decisão, incorremos no risco de transferir responsabilidades humanas a uma ferramenta estatística, reforçando vieses e ampliando desigualdades.
Nesse sentido, a IA deve ser compreendida como suporte analítico e preditivo, jamais como substituto do discernimento humano. Os resultados que dela emergem dependerão fundamentalmente dos padrões éticos definidos pela sociedade, da regulação institucional e do grau de letramento digital promovido.
REFERÊNCIAS
AGRAWAL, Ajay; GANS, Joshua; GOLDFARB, Avi. Machine Intelligence and Human Judgment. Finance & Development, International Monetary Fund, jun. 2025. Disponível em: <https://www.imf.org/en/Publications/fandd/issues/2025/06/machine-intelligence-and-human-judgement-ajay-agrawal>. Acesso em: 20 ago. 2025. CAPRARO, Valerio et al. The impact of generative artificial intelligence on socioeconomic inequalities and policy making. arXiv, dez. 2023. Disponível em: <https://arxiv.org/abs/2401.05377>. Acesso em: 20 ago. 2025. INTERNATIONAL MONETARY FUND (IMF). AI Will Transform the Global Economy. Let’s Make Sure It Benefits Humanity. Washington, D.C.: IMF, 2024. Disponível em: <https://www.imf.org>. Acesso em: 20 ago. 2025. INTERNATIONAL MONETARY FUND (IMF). AI Adoption and Inequality. Working Paper WP/25/68, Washington, D.C.: IMF, abr. 2025. Disponível em: <https://www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2025/04/04/AI-Adoption-and-Inequality-565729>. Acesso em: 20 ago. 2025.