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Direito Autoral em Tempos de Inteligência Artificial: quem é o dono da criação?

Por Calza Neto

A inteligência artificial deixou de ser apenas uma ferramenta de apoio tecnológico para se tornar protagonista em áreas criativas. Hoje, com um simples comando, o chamado prompt, é possível gerar imagens, músicas, textos e até roteiros inteiros. Mas surge uma questão delicada: quem é o dono dessa criação?

 

O desafio do direito autoral

 No Brasil, a Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98) protege apenas as chamadas “criações do espírito”, sempre ligadas à autoria humana. Isso significa que uma obra produzida integralmente por inteligência artificial, sem intervenção criativa de uma pessoa, não é considerada uma obra autoral.

Mas o que acontece quando alguém escreve um prompt complexo, cheio de detalhes artísticos, metáforas e referências culturais? Esse comando em si pode ser visto como uma obra textual, e aí a discussão ganha força: o prompt seria a verdadeira criação humana, e a IA apenas o meio de materializar essa ideia.

 

O prompt pode ser protegido?

Especialistas defendem que prompts elaborados podem sim ser protegidos como obras literárias, já que são fruto de escolhas criativas. É diferente de digitar algo simples como “desenhe um gato preto”. Um prompt que descreve um cenário futurista, com personagens, cores e atmosfera específica, carrega uma identidade autoral.

 

A analogia com a obra sob encomenda

Um caminho interessante é a comparação com as chamadas “obras sob encomenda”. No direito autoral, quando alguém encomenda uma obra a um artista, pode se tornar titular dos direitos patrimoniais sobre ela, ainda que a autoria moral permaneça com o criador.

Transportando isso para a IA: o usuário seria o “encomendante”, que dá as instruções, enquanto a máquina seria apenas o executor técnico. Assim, a autoria e os direitos patrimoniais tenderiam a ser reconhecidos em favor do usuário.

 

O que acontece no mundo

Estados Unidos: o Escritório de Direitos Autorais deixou claro que apenas obras com participação humana relevante podem ser registradas.

Reino Unido: a lei reconhece autoria para quem organizou a criação feita por computador, mas a aplicação às novas IAs ainda é polêmica.

China: um tribunal já chegou a reconhecer proteção a um texto escrito por IA, desde que houvesse envolvimento humano substancial.

Europa: discute-se no âmbito do AI Act, mas prevalece a exigência de intervenção humana.

E o futuro?

A tendência é que a legislação caminhe para reconhecer dois pontos.

  • Proteção parcial do prompt criativo como obra independente.
  • Direitos patrimoniais da obra gerada atribuídos ao usuário, em analogia à obra sob encomenda.

 

Conclusão

Estamos diante de uma encruzilhada histórica: se o direito autoral não acompanhar a velocidade da tecnologia, corremos o risco de transformar a criatividade humana em um produto descartável, absorvido por máquinas sem rosto e sem responsabilidade.

O debate sobre a proteção dos prompts e a autoria nas criações por IA não é apenas uma questão acadêmica ou jurídica. É uma disputa pelo futuro da propriedade intelectual — e, em última análise, pelo valor da criatividade humana.

Ou nos antecipamos e criamos regras claras que garantam reconhecimento e proteção ao esforço intelectual, ou veremos artistas, escritores, músicos e inovadores perderem espaço para sistemas que apenas reciclam dados.

A pergunta que fica é: vamos deixar que a inteligência artificial dite as regras, ou vamos reafirmar que, por trás de toda obra, ainda deve pulsar um coração humano?

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