
Embora muitas vezes percebida como algo etéreo, a inteligência artificial depende de uma infraestrutura física robusta, composta principalmente por gigantescos data centers espalhados pelo mundo. Esses centros de processamento, verdadeiras usinas de dados, demandam uma quantidade colossal de minerais críticos como terras raras, gálio, tântalo, silício e outros elementos estratégicos. Boa parte desses recursos está concentrada em países do Sul Global, sendo refinados e exportados majoritariamente pela China, o que acirra a disputa por influência global entre as potências tecnológicas.
Em meio a esse cenário, os Estados Unidos, sob a presidência de Donald Trump, têm adotado medidas incisivas para reduzir sua dependência da China. O recente acordo com Pequim — que condiciona o acesso de estudantes chineses às universidades norte-americanas ao fornecimento de minerais — e as pressões sobre a Ucrânia para garantir contratos preferenciais de fornecimento, são exemplos claros de como a geopolítica dos recursos voltou ao centro das decisões estratégicas. A rivalidade sino-americana ganha contornos ainda mais complexos à medida que a IA se torna peça-chave em aplicações civis e militares.
A construção e operação desses data centers exige equipamentos de vida útil curta e elevada complexidade, o que acelera o descarte e pressiona a cadeia de extração mineral. Para produzir apenas um chip avançado, pode-se consumir até 350 vezes o seu peso em matéria-prima, o que amplia significativamente os impactos ambientais da indústria tecnológica. O domínio chinês sobre a extração e refino dos minerais contrasta com o controle americano sobre a manufatura de chips e sistemas de IA, evidenciando uma interdependência desconfortável entre as duas potências.
Mas não é só o aspecto mineral que preocupa: o consumo energético dos data centers cresce exponencialmente. Apenas em 2022, IA, criptomoedas e servidores digitais consumiram cerca de 460 TWh de eletricidade — o equivalente a 2% da demanda global. Projeções indicam que esse número pode chegar a mais de 1.000 TWh até 2026. Com a sobrecarga das redes elétricas e o risco de apagões em diversas regiões, gigantes da tecnologia como Amazon, Google e Microsoft têm buscado soluções em fontes renováveis. No entanto, mesmo essas alternativas dependem fortemente de minerais estratégicos, o que perpetua o ciclo de exploração.
O paradoxo se acentua: construir um sistema digital mais “limpo” exige explorar ainda mais os recursos do planeta. Para sustentar apenas os data centers dos EUA até 2030, serão necessários cerca de 50 milhões de painéis solares. Isso demonstra que, embora a transição energética e a expansão da IA caminhem lado a lado, ambas enfrentam desafios logísticos, ambientais e éticos que não podem mais ser ignorados.
A escalada dos investimentos, como os US$ 500 bilhões prometidos por Trump à indústria de IA, e a resposta da China com o lançamento de modelos competitivos como o DeepSeek-R1, ilustram que o domínio da inteligência artificial será determinado por quem controlar a cadeia de suprimentos mineral e energética. No fim das contas, por trás de cada algoritmo sofisticado, há uma teia complexa de decisões geopolíticas, impactos ambientais e disputas por poder que moldam o futuro digital do planeta.
Compreender essas interconexões é essencial para que governos, empresas e a sociedade civil possam equilibrar inovação tecnológica com responsabilidade social e ambiental. Afinal, a IA não é apenas uma questão de software: é também uma batalha silenciosa por matérias-primas e energia, travada longe das telas, mas com efeitos diretos sobre todos nós.
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