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Radar Tecnológico 5 da ANPD expõe dilemas éticos na aferição de idade e a urgência de proteger dados sensíveis de crianças e adolescentes

Por Fernanda Nogueira

A recente publicação do Radar Tecnológico nº 5 da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) marca um ponto de inflexão na regulação digital brasileira. O documento — integrante do projeto ECA Digital — analisa mecanismos de aferição de idade em plataformas online e reforça que a verificação da faixa etária deixa de ser mera diretriz para se tornar dever jurídico plenamente exigível, com impacto direto no design e governança de serviços digitais voltados ao público infantojuvenil.

Pela primeira vez, a ANPD estabelece que aferir a idade de usuários é um requisito estrutural do ecossistema digital. Essa exigência visa operacionalizar o artigo 14 da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que determina que o tratamento de dados de crianças e adolescentes deve sempre observar o melhor interesse do titular, incluindo o consentimento parental verificável

O Radar 5 categoriza os métodos de aferição em três grupos:

  1. Autodeclaração, de baixo grau de confiabilidade;
  2. Verificação documental, de precisão moderada;
  3. Estimativas biométricas e comportamentais, que, embora mais precisas, suscitam preocupações éticas e jurídicas profundas

A ANPD alerta para o risco de se transformar a aferição em um novo vetor de vigilância, especialmente quando envolve biometria facial e outros dados sensíveis, cuja coleta excessiva viola o princípio da minimização de dados previsto na LGPD

A utilização de biometria facial para aferição de idade é um dos pontos mais controversos do relatório. Embora seu uso prometa maior precisão, a ANPD ressalta que a coleta e o processamento dessas informações podem ampliar riscos de discriminação algorítmica, falsos positivos e invasões de privacidade.

Mais do que um desafio técnico, trata-se de uma questão de proporcionalidade e legitimidade: o custo de expor dados biométricos de crianças — informações permanentes, únicas e irreversíveis — dificilmente se justifica diante da finalidade de simples verificação etária. Como já destacou o Comentário Geral nº 25 da ONU sobre os direitos da criança, o ambiente digital deve ser estruturado para proteger e não explorar o público infantojuvenil, exigindo o uso do meio menos invasivo disponível para atingir o propósito pretendido

O Radar propõe o desenvolvimento de mecanismos alternativos que reduzam o impacto à privacidade, como:

  • Modelos híbridos, combinando verificação documental com consentimento parental digital;
  • Sistemas de autenticação federada, baseados em tokens de confiança emitidos por autoridades certificadoras;
  • Análise contextual de uso, em que o nível de controle é ajustado conforme o risco da atividade digital.

Essas abordagens refletem os princípios de finalidade legítima, segurança, transparência e supervisão humana contínua, reafirmando que a tecnologia deve servir à proteção da infância — e não o contrário

A convergência entre o Radar Tecnológico 5, o ECA Digital e o Comentário Geral nº 25 delineia um caminho ético e normativo claro: o uso responsável de dados sensíveis requer um olhar crítico, interdisciplinar e permanente.

No contexto de rápida evolução tecnológica, a prioridade deve ser a preservação da dignidade, privacidade e autonomia progressiva das crianças e adolescentes, conforme consagrado no artigo 227 da Constituição Federal e nos princípios da LGPD.

Manter esse olhar atento — ancorado nos princípios da necessidade, finalidade e minimização — é essencial para que a inovação digital ocorra com responsabilidade, garantindo que o desenvolvimento tecnológico seja compatível com a proteção dos direitos fundamentais das futuras gerações.

O Radar Tecnológico 5 inaugura uma nova fase na governança da privacidade infantil no Brasil: a aferição de idade como dever jurídico exige não apenas inovação técnica, mas sobretudo maturidade ética e jurídica.

O desafio que se impõe às empresas, escolas e plataformas é implementar soluções seguras, transparentes e não invasivas, capazes de equilibrar proteção e acesso, controle e liberdade, tecnologia e humanidade.

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