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Brasil sanciona ECA Digital e reforça proteção de crianças no ambiente online

Nova lei amplia deveres de plataformas, impõe verificação de idade e supervisão parental, reduz vacatio para seis meses e prevê multas de até 10% do faturamento para descumprimento das regras. Por Calza Neto e Fernanda Nogueira

Com a sanção da Lei nº 15.211/2025, conhecida como ECA Digital, o Brasil inaugura um novo marco para a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital. A norma consolida e aprofunda princípios já presentes no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e na Resolução Conanda nº 245/2024, transformando-os em obrigações específicas e exigíveis para plataformas digitais, aplicativos, lojas de aplicativos, redes sociais, jogos eletrônicos e demais serviços de tecnologia da informação. A lei estabelece que todo produto ou serviço de tecnologia de informação direcionado ou de acesso provável por crianças e adolescentes deverá adotar, desde sua concepção, medidas de proteção por desenho e por padrão, garantindo a privacidade e a segurança desses usuários de forma proativa.

O novo marco amplia o alcance da regulação ao prever aplicação extraterritorial, de forma que empresas estrangeiras que ofereçam serviços acessíveis por crianças no Brasil deverão manter representante legal no País, com poderes para receber notificações e assumir responsabilidades perante autoridades administrativas e judiciais. Dentre as inovações mais relevantes destaca-se a exigência de mecanismos de verificação de idade confiáveis e auditáveis, vedada a autodeclaração, além da obrigatoriedade de supervisão parental efetiva, com ferramentas acessíveis, de fácil configuração e que operem, por padrão, no nível mais protetivo. Recursos que incentivem uso compulsivo, como reprodução automática de conteúdos e recompensas por tempo de uso, deverão ser limitados ou desativados por padrão, de forma a prevenir práticas nocivas.

A lei também proíbe o perfilamento para fins publicitários, bem como o uso de análise emocional, realidade aumentada ou virtual para direcionamento de anúncios a menores. Fica vedada a criação de perfis comportamentais de crianças e adolescentes a partir de seus dados, assim como a monetização ou impulsionamento de conteúdo que erotize ou sexualize menores. As chamadas loot boxes em jogos eletrônicos direcionados ou de acesso provável por menores ficam proibidas e, além disso, as redes sociais deverão vincular contas de usuários de até 16 anos a responsáveis legais, aprimorar continuamente mecanismos de identificação de contas operadas irregularmente por menores de idade, suspender acessos indevidos de forma célere e assegurar direito a recurso aos responsáveis.

No que se refere à moderação e segurança de conteúdo, a lei exige canais de denúncia acessíveis, retirada ágil de conteúdos que violem direitos de crianças e adolescentes, independentemente de ordem judicial, e direito de contestação pelo autor do conteúdo removido. Provedores com mais de um milhão de usuários nessa faixa etária deverão publicar relatórios semestrais em português, com dados de moderação, métricas de detecção de contas infantis e medidas técnicas adotadas para a proteção de dados e privacidade, bem como resultados de avaliações de impacto e gerenciamento de riscos à saúde e à segurança. Essas obrigações se alinham ao princípio do melhor interesse previsto no artigo 14 da LGPD e à diretriz de proteção integral do ECA, mas agora são acompanhadas de mecanismos claros de enforcement.

O prazo para adequação foi reduzido para seis meses, por medida provisória, reforçando o caráter urgente da proteção. Nesse sentido, empresas precisarão revisar fluxos de dados, redesenhar produtos para atender ao padrão mais protetivo, implantar mecanismos de verificação de idade e supervisão parental, ajustar contratos com terceiros e estruturar relatórios e processos internos de denúncia e moderação. O descumprimento das obrigações poderá resultar em advertências, multas de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil ou, na ausência de faturamento, valores entre R$ 10 e R$ 1.000 por usuário cadastrado, limitados a R$ 50 milhões por infração, além da possibilidade de suspensão ou proibição de atividades. Os valores arrecadados com multas serão destinados ao Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente por um período de cinco anos.

A transformação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados em Agência Nacional de Proteção de Dados, por medida provisória concomitante, com autonomia funcional, técnica e financeira, complementa o pacote de medidas e confere maior robustez ao sistema de fiscalização e regulamentação. Essa nova autarquia de natureza especial será responsável por emitir normas complementares, fiscalizar e aplicar as penalidades previstas, em cooperação com a Anatel e o CGI.br, conforme decreto que organizará as competências de cada ente. Ao vedar práticas de vigilância massiva e adotar abordagem regulatória proporcional e responsiva, a lei busca equilibrar proteção da infância, inovação tecnológica e liberdade de expressão.

Na prática, o ECA Digital inaugura uma era de maior responsabilização para o ecossistema digital. Empresas que lidam com o público infantojuvenil terão de adotar postura ativa de prevenção de riscos, sob pena de enfrentar consequências financeiras, jurídicas e reputacionais. Para as famílias, o novo marco representa mais transparência e controle sobre a experiência digital de crianças e adolescentes. Para o mercado, oferece maior segurança jurídica e alinhamento às melhores práticas internacionais, aproximando o Brasil de marcos regulatórios como o Age Appropriate Design Code do Reino Unido e a Digital Services Act europeia. O desafio, a partir de agora, será transformar os princípios em práticas efetivas e auditáveis, assegurando que o ambiente digital se torne de fato mais seguro para o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes.

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