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O erro de tratar como mágica o que exige método

Por João Back

Nos últimos meses, tenho visto uma corrida intensa por soluções baseadas em inteligência artificial dentro das empresas. Ferramentas generativas começaram a invadir rotinas de marketing, atendimento, jurídico, TI, RH. Parece que finalmente todo mundo entendeu que a IA pode, sim, aumentar produtividade e gerar vantagem competitiva.

Mas também tenho visto algo preocupante: a forma como essas soluções estão sendo adotadas. De forma improvisada, informal e, em muitos casos, ingênua.

Um amigo, CEO de uma empresa de software de médio porte, decidiu usar IA para automatizar parte do suporte ao cliente e do conteúdo de marketing. No início, tudo parecia funcionar bem. Dois analistas mais experientes passaram a gerar respostas, roteiros e textos incríveis com a ajuda de um chatbot. Só que, com o tempo, surgiu um padrão silencioso — e perigoso.

A performance da IA estava diretamente ligada ao conhecimento tácito dessas pessoas. Elas sabiam o que perguntar, como estruturar os prompts, que dados usar e, principalmente, como contornar erros da IA, como as famosas alucinações. A empresa, sem perceber, ficou dependente de dois cérebros. Quando um deles pediu demissão, todo o know-how se perdeu. As entregas caíram. E o “efeito IA”, que parecia mágico, virou gargalo.

Isso não é um caso isolado.

Segundo a McKinsey (2024) (https://www.mckinsey.com/capabilities/quantumblack/our-insights/the-state-of-ai), mais de 30% das empresas que adotaram IA sem estrutura de governança formal relataram perda de conhecimento e impacto operacional com a saída de funcionários-chave. E esse é apenas um dos riscos. Há também o vazamento de dados confidenciais, decisões não rastreáveis e o uso inadvertido de informações sensíveis por modelos públicos ou plataformas terceiras.

O problema não está na tecnologia. Está na ausência de método.

O que falta é governança (mas da boa)

Não estou falando de burocracia que atrasa tudo, mas de uma estrutura enxuta e eficiente, baseada em três pilares simples:

1. Transparência: cada uso de IA precisa deixar rastro. O que entrou, o que saiu e por quê. Isso não é para vigiar pessoas, mas para que o conhecimento seja corporativo — e não individual. Se alguém sair, o “modo de fazer” continua.

2. Segurança: trate IA como qualquer outro sistema crítico. Controle de acesso, criptografia, políticas claras e, sempre que possível, rodar modelos em ambiente próprio. Vazar um prompt cheio de informações sigilosas para uma IA pública pode ser tão grave quanto enviar um e-mail errado para a concorrência.

3. Privacidade: se você usa dados de clientes ou colaboradores, precisa garantir que nada sensível será exposto ou reproduzido sem controle. Isso não é só LGPD — é sobre confiança. Ninguém se sente confortável usando IA se acha que pode estar expondo pessoas.

Não é difícil começar

Escolha uma frente — por exemplo, geração de conteúdo — e crie diretrizes claras. Documente o que funciona em um wiki compartilhado. Faça treinamentos rápidos de prompting seguro. Use dashboards para acompanhar, sem cair na tentação da vigilância excessiva. O objetivo é institucionalizar boas práticas, não engessar a inovação.

Por que isso tudo importa?

Porque IA não é mais uma moda. Ela está mudando a forma como produzimos, tomamos decisões e competimos. E, como qualquer revolução, quem improvisa demais acaba ficando para trás.

Empresas que não organizarem sua adoção de IA de forma estruturada correm um risco real: a tecnologia deixar de ser um diferencial e virar um problema.

Eu já conversei com executivos que aprenderam isso do pior jeito — perdendo talentos, clientes e até reputação por falta de processo.

Não precisa ser assim.

Governança pode não ser glamourosa, mas é ela que transforma a IA de um truque de mágica em um motor confiável de crescimento.

 

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