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A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL TRANSFORMANDO O MUNDO JURÍDICO

Por Calza Neto

A Inteligência Artificial (IA) está transformando o dia a dia dos escritórios de advocacia, trazendo consigo uma promessa de maior eficiência, qualidade e acessibilidade na prestação de serviços jurídicos. Ferramentas capazes de automatizar tarefas repetitivas, analisar grandes volumes de dados e até redigir documentos em poucos segundos passaram a fazer parte da rotina de bancas de diferentes tamanhos e especialidades. Embora o potencial de inovação seja imenso, cresce também a preocupação com a forma ética, responsável e segura de utilizar essas tecnologias.

E não poderia ser diferente: até mesmo os tribunais brasileiros já vêm adotando a Inteligência Artificial de maneira expressiva. Dados do Conselho Nacional de Justiça revelam que 66% das cortes do país utilizam ou estão em fase de implantação de sistemas baseados em IA, somando pelo menos 140 projetos em andamento nos mais diversos ramos do Judiciário. Entre as aplicações mais recorrentes estão a classificação automática de processos, a indexação de documentos e o monitoramento de práticas processuais. Esses números evidenciam o ritmo acelerado da transformação digital no setor público e reforçam que a advocacia não pode se manter alheia a essa nova realidade.

Na prática, os usos da IA nos escritórios são amplos. Sistemas de pesquisa jurídica localizam jurisprudência e doutrina de forma instantânea, plataformas de redação geram minutas de contratos e petições a partir de parâmetros predefinidos e ferramentas de automação organizam documentos, alimentam cadastros e notificam clientes sobre o andamento dos processos. A previsão de cenários processuais, baseada em dados históricos, também vem ganhando espaço ao permitir que advogados estimem custos e riscos com maior precisão. A experiência do cliente, por sua vez, é cada vez mais impactada pelo uso de chatbots e assistentes virtuais que oferecem respostas básicas 24 horas por dia.

Se, por um lado, a tecnologia amplia a capacidade de resposta e libera tempo para atividades estratégicas, por outro, seu uso sem cautela pode comprometer pilares fundamentais da atividade jurídica. Entre os principais riscos estão a violação do sigilo profissional e a exposição de dados pessoais sensíveis, sobretudo quando sistemas operam sem controles rigorosos de segurança e sem observar os princípios da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Nesses casos, não se trata apenas de risco financeiro ou regulatório, mas de ameaças concretas à confiança do cliente e à reputação profissional.

Outro ponto crítico é o fenômeno conhecido como alucinação da IA. Muitos sistemas de linguagem natural são capazes de produzir conteúdos bem estruturados, mas não necessariamente verdadeiros. Há relatos de modelos que inventam jurisprudências, citam decisões judiciais inexistentes e mencionam doutrina que jamais foi publicada. Além disso, essas ferramentas podem apresentar dispositivos legais desatualizados ou equivocados, o que representa um risco grave se o profissional não revisa criteriosamente cada informação antes de utilizá-la. Mesmo com suporte tecnológico, a responsabilidade final pelo conteúdo entregue ao cliente e ao Judiciário é sempre do advogado.

Os riscos éticos incluem ainda o viés algorítmico, quando sistemas reproduzem preconceitos presentes nos dados usados para treinamento, e a falta de explicabilidade que torna difícil compreender como as conclusões foram produzidas. Essa opacidade pode inviabilizar a prestação de contas e a fundamentação jurídica adequada. Há também riscos de conflito com normas da OAB, principalmente no que se refere à publicidade profissional e à captação de clientela. Em paralelo, incidentes de segurança e erros em recomendações automatizadas podem provocar danos reputacionais severos, comprometendo a imagem do escritório.

Diante desse cenário, especialistas apontam que o uso ético e responsável da IA exige não apenas investimentos em tecnologia, mas principalmente no desenvolvimento de competências humanas. O pensamento crítico e a interpretação contextual permanecem indispensáveis, pois embora sistemas auxiliem na coleta e organização de informações, o julgamento jurídico e a ponderação dos riscos continuam sendo tarefas exclusivamente humanas. A cultura de inovação precisa vir acompanhada de senso de responsabilidade, transparência e compromisso com o interesse do cliente. Em meio à automação, a inteligência emocional e a capacidade de criar vínculos de confiança se tornam diferenciais estratégicos cada vez mais valorizados.

Para implementar a IA com segurança, recomenda-se que os escritórios mapeiem cuidadosamente os fluxos de dados tratados por essas ferramentas, firmem contratos robustos com fornecedores — prevendo cláusulas específicas de confidencialidade, auditoria e responsabilidade — e adotem políticas internas que definam limites claros de uso e procedimentos de revisão obrigatória do material gerado. Também é fundamental investir no treinamento de toda a equipe, de modo que todos compreendam os riscos, as boas práticas e os impactos regulatórios e éticos da adoção dessas soluções.

Ao que tudo indica, a Inteligência Artificial continuará a redefinir a forma como o Direito é praticado, tornando a advocacia mais ágil, orientada por dados e com potencial de democratizar o acesso à informação jurídica. No entanto, esse avanço não elimina a necessidade do olhar crítico, da prudência e do compromisso ético que sempre foram a essência da profissão. O futuro será tecnológico, mas seguirá exigindo aquilo que nenhuma máquina é capaz de reproduzir: o senso de justiça, o julgamento ponderado e a conexão genuína com o ser humano.

 

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